4 de julho de 2009

Synecdoche, New York


Ano: 2008

Realização: Charlie Kaufman

Argumento: Charlie Kaufman

Nos dias de hoje, o cinema é movido pela escrita. Tal facto provou-se recentemente, quando o mundo do entretenimento se mostrou frágil perante uma mediática greve dos argumentistas. Com efeito, cada projecto cinematográfico tem na sua base uma série de argumentos escritos e rescritos. Porém, de entre a multidão de escritores que existe na criação cinemática, poucos são verdadeiros autores, aqueles que mostram uma voz própria e não se colam aos estereótipos populares, como adaptações de obras e biografias, remakes e sequelas de franchises já exploradas. Charlie Kaufman é um deles.

Desde o filme “O Despertar da Mente” (na minha opinião um exemplo da perfeição que um argumento de um filme pode alcançar) que estava ansioso por ver que novos trabalhos sairiam da mente do argumentista. Com efeito, de todos os filmes que contam com o nome de Kaufman nos créditos, posso dizer que nunca me desiludi com o resultado final. Este novo “Synecdoche, New York” não é excepção. Como em todo os seus trabalhos, Kaufman aborda aqui uma temática bastante criativa e interessante, uma nova perspectiva sobre a mentalidade humana e a sua relação recíproca com a arte.

A história centra-se no dramaturgo Caden Cotard que, após uma produção teatral de sucesso, procura levar o seu trabalho a uma dimensão mais épica e honesta, com o objectivo de capturar o íntimo do quotidiano e transpô-lo para o palco. Assim, decide reunir um elenco num armazém em Nova Iorque com o objectivo de recriar, à escala real, a cidade americana. Porém, à medida que o projecto se vai desenvolvendo, Caden vai-se apercebendo que, embora a sua intenção fosse criar algo único e original, o seu projecto não passa de uma réplica glorificada com a pretensão de criatividade.

O comentário aos ideais de criatividade e originalidade presentes na arte de hoje permeia todo o filme, sendo este, simultaneamente, um excelente manifesto artístico. Esta é uma história muito bem escrita que, possuindo uma densidade complexa, está recheada de pormenores fantásticos, desde o nome do protagonista referir um distúrbio psicológico que o caracteriza até à casa em chamas. É um argumento inteligente, que desafia até o espectador mais literato, pois não se perde nas palavras, mas através dela, alcança algo maior, uma ambiguidade interpretativa que fica connosco e nos obriga a pensar no filme, mesmo depois de este terminar.

Infelizmente, se o filme de facto não se perde no argumento, perde-se na realização. Kaufman, que aqui se estreia no cargo da realização, acaba então por ser em simultâneo o melhor (graças à sua escrita, única e diferente) e o pior (devido à falta de experiência por detrás da câmara) do filme. Não que o filme esteja mal realizado, a realização é competente q.b. ao narrar a história, mas Kaufman adopta um estilo parado que não cativa as audiências, tornando, por vezes, um filme que devia ser inspirador e vibrante, em algo moroso e chato. Ou seja, a exprimir as suas ideias em papel, ele é genial, mas passá-las para o grande ecrã (uma tarefa bastante árdua, diga-se de passagem…) ainda faltam bastantes degraus até chegar a uma genialidade equivalente à da sua escrita.

Igualmente, apesar de o filme conter um elenco muito talentoso, Kaufman não explora os actores da melhor maneira. O que vale é o facto de, quanto à interpretação, o filme basicamente assenta-se nos ombros de Phillip Seymour Hoffman, actor de grande calibre que aqui não desilude e pode juntar a sua participação neste filme a um curriculum já notável. Igualmente Smantha Morton e Catherine Keener encontram-se bem, se bem por vezes mostrem um pequeno desconforto com as suas personagens, revelando-se uma dinâmica interessante mas não muito cativante. Eis aqui um exemplo da falta de experiência na realização da parte de Kaufman que prejudica o filme. É de se ponderar como resultaria o filme se fosse realizado com uma inovação aliciante de Spike Jones ou com uma simplicidade mágica e sonhadora de Michel Gondry.

Esta divergência entre 'Kaufman, o escritor' e 'Kaufman, o realizador' acaba por estragar o filme (ironicamente, esta dicotomia lembra-me do filme “Inadaptado”, cujo argumento é também da sua autoria…). Apesar de tudo, “Synecdoche, New York” é bastante recomendável pela história, sendo este o filme mais bem escrito que vi este ano. Porém, a barreira morosa e pretensiosa que rodeia a realização do filme torna-o pouco acessível ao espectador casual.

0 comentários:

Enviar um comentário